Aula 2
As aulas de Educação Física no currículo do Ensino Médio
COMO AS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA CONTRIBUEM PARA QUE O CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO ACOLHA AS JUVENTUDES?
A BNCC chama atenção para a necessidade de o currículo do Ensino Médio considerar a pluralidade de modos dos jovens viverem a juventude, por isso usa a palavra no plural: “juventudes”. Acompanhando documentos legais anteriores, entende a juventude como:
Condição sócio-histórico-cultural de uma categoria de sujeitos que necessita ser considerada em suas múltiplas dimensões, com especificidades próprias que não estão restritas às dimensões biológica e etária, mas que se encontram articuladas com uma multiplicidade de atravessamentos sociais e culturais, produzindo múltiplas culturas juvenis ou muitas juventudes (Parecer CNE/CEB nº 5/2011).
Ao adotar a noção ampliada e plural de juventudes, as aulas de Educação Física se abrem para as práticas corporais criadas e cultivadas pelos próprios jovens, especialmente porque é exatamente no âmbito dessas práticas que os grupos de jovens se unem e se identificam.
Boas práticas de Educação Física no Ensino Médio, na perspectiva da BNCC, devem se basear em maior interlocução entre professores e alunos na escolha de objetos de conhecimento que serão abordados em aula. Sem abrir mão das aprendizagens essenciais que devem ser garantidas no Ensino Médio, os professores devem considerar a diversidade, o protagonismo e a liberdade crescente dos jovens para escolherem práticas corporais de seu interesse e a partir delas orientar o desenvolvimento de competências da área de linguagens. Essa forma de trabalho permite que os professores de Educação Física considerem as histórias de vida dos jovens, criando espaço para se reconheçam no currículo.
COMO AS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA INTEGRAM-SE À AREA DE LINGUAGENS?
A integração das aulas de Educação Física à área de linguagens não é uma novidade da BNCC. Já aparece no marco legal do Ensino Médio, desde o final dos anos 1990, nos movimentos de renovação pedagógica da Educação Física, que ampliaram olhares sobre o objeto de estudo da área. Rompendo com o foco nos aspectos biológicos e nas práticas esportivas de rendimento para compreender as práticas corporais no âmbito da cultura.
A organização em área não exclui os referenciais teóricos, as metodologias e as especificidades da Educação Física para a formação dos jovens do Ensino Médio, mas destaca o esforço em tratar o conhecimento sobre as práticas corporais em conexão com as aprendizagens das demais linguagens.
As aulas de Educação Física mostram um campo da cultura especialmente importante para a formação dos alunos do Ensino Médio, a cultura corporal.
Seus diferentes conteúdos como esportes, danças, lutas, ginásticas, jogos e práticas corporais de aventura, já trabalhados no Ensino Fundamental, são apropriados e transformados pelas culturas juvenis, representam formas de socialização, expressão de identidades e campos de luta que os jovens encontram para manifestar seus lugares sociais, suas vozes; independentemente da escola.
No entanto, toda cultura corporal é também objeto da cultura de massa ou de grupos culturais que nem sempre estão comprometidos com a propagação de valores da sociedade democrática, justa e inclusiva, por isso é necessário tematizar a cultura corporal na escola.
A diferença é que no Ensino Médio as capacidades crescentes de abstração e autonomia intelectual permitem explorar novos elementos das práticas corporais, suas bases científicas e culturais, que irão fornecer aos e às jovens condições de fazer escolhas como praticantes e como espectadores das práticas corporais.
Na área de linguagens, as aulas de Educação Física contribuem para ampliar conhecimentos e pensar criticamente as produções culturais que se manifestam pela linguagem corporal.
A linguagem corporal não se desenvolve isolada das demais linguagens, dos contextos de vida e cultura. Suas formas de produção são dinâmicas e integradas a discursos nas diferentes linguagens. Pensemos no universo de uma prática corporal muito presente nas culturas juvenis urbanas: o Skate. Além dos movimentos que compõem as manobras, a cultura do Skate envolve a produção de vídeos e fotografias que divulgam e ensinam a praticar, modos de se vestir, falar e se comportar socialmente.
Valores que permeiam as relações entre meninos e meninas que praticam Skate, modos de ver e representações que os adultos e a mídia têm sobre os praticantes de Skate. Modos de encarar o espaço e a arquitetura urbana próprios dos Skatistas e os conflitos que isso gera com outros habitantes da cidade. Na escola, os alunos precisam ser provocados a compreender toda essa dinâmica de produção cultural, pela vivência, pela observação, pesquisa, debate e sistematização de conhecimentos.
Dessa forma, o trabalho da área de linguagens com a cultura corporal, realizado pelo professor de Educação Física, deve prever o desenvolvimento da curiosidade intelectual, da pesquisa e da capacidade de argumentação, características dos alunos do Ensino Médio. Não deve apenas praticar para desenvolver habilidades motoras e adotar um estilo de vida ativo.
Os alunos do Ensino Médio precisam ser desafiados a pensar a cultura corporal olhando para diferentes campos de conhecimento como as ciências da natureza (biologia, química e física) que explicam os fenômenos do movimento e de suas ações sobre o corpo, à luz das ciências humanas (história, geografia, filosofia e sociologia) que permitem compreender as dinâmicas culturais de forma mais reflexiva.
As aulas de Educação Física no Ensino Médio com seus diferentes campos de conhecimento buscam integrar vivência, produção e reflexão em processos de construção da autonomia e do protagonismo dos alunos.
A BNCC do Ensino Fundamental prevê o contato com diferentes práticas corporais, sugerindo inclusive, objetos de conhecimento para cada bloco de habilidades. Já a BNCC do Ensino Médio optou por não apresentar habilidades e objetos de conhecimento para cada ano do Ensino Médio, mas juntamente com os alunos e os professores terá de definir as práticas que serão abordadas, as competências da área a serem trabalhadas para então construir habilidades e objetivos de aprendizagem de cada unidade temática.
O importante é que os alunos possam ampliar seus conhecimentos pesquisando e praticando atividade da cultura corporal que façam sentido para eles, em processos de planejamento participativo com o(a) professor(a).
O Ensino Médio é um momento de refletir sobre as próprias escolhas, quanto mais opções os alunos explorarem maiores serão a chances de se identificarem com as práticas corporais e compreenderem a si e à cultura que vivem.
A capacidade de se expressar por meio da linguagem corporal também é um elemento que deve ser bem cuidado no trabalho da área de linguagens, a equipe de professores, com o professor de educação física apoiando o trabalho, deve prover situações de aprendizagem em que os estudantes experimentem a linguagem corporal em atividades integradas aos demais componentes.
A BNCC do Ensino Médio propõe a integração da área de linguagens por meio da vivência de experiências significativas em 5 diferentes campos de atuação social:
Campo da vida pessoal
Campo das práticas de estudo e pesquisa
Campo artístico
a
Campo de atuação na vida púbica
Campo jornalístico midiático
a
Essa forma de organizar as aprendizagens não é comum na formação dos professores de Educação Física, por isso podem surgir algumas dificuldades para adequar o planejamento de aulas e atender às orientações da BNCC.
As situações de aprendizagem das linguagens devem se aproximar das práticas sociais e não do estudo da estrutura das linguagens.
Mudar o foco das aulas de Língua Portuguesa, do ensino da gramática para o trabalho com práticas sociais da língua falada, da escrita e da leitura ou mudar o foco das aulas de Arte dos aspectos estruturais (das técnicas) das artes visuais para a apreciação e produção críticas em situações de uso.
Esse modo de compreender o ensino das linguagens se relaciona com a perspectiva cultural da Educação Física adotada na BNCC. Olhando dessa forma, o foco não são as técnicas corporais (a estrutura da linguagem), mas a vivência e reflexão sobre das práticas sociais de linguagem corporal. Ou seja, deixa-se de focar, por exemplo, no ensino dos esportes, a mera aprendizagem das técnicas e táticas. O importante, nessa nova perspectiva, é trazer para a Escola os diferentes modos culturalmente construídos de praticar os esportes.
Exemplificando
Como esporte competitivo, o Basquetebol tem determinadas técnicas (drible da bola, fintas, arremesso livre, arremesso de 3 pontos, bandeja etc.) e certas táticas (sistemas de ataque e defesa), além de regras oficiais. Antigamente, esses eram os aspectos estruturais da modalidade abordados nas aulas, geralmente utilizando exercícios técnicos dos “fundamentos” do esporte. Entretanto, muitas das práticas sociais presentes nas culturas dos jovens com Basquetebol eram ignoradas pela Escola. Essas práticas apresentam elementos gestuais, regras, espaços, materiais e modos de se relacionar socialmente diferentes do Basquetebol oficial. Os movimentos, regras, vestimentas, relações entre os jogadores, aspectos identitários e de relações sociais têm outros contornos. Se os professores de Educação Física ensinam apenas as técnicas oficiais os/as jovens não têm oportunidade de vivenciar e refletir sobre os sentidos culturais do Basquetebol em seus projetos de vida, ou seja, nas práticas sociais concretas em que vivenciam a modalidade.
Vamos entender, um pouco mais sobre como as práticas corporais se situam nesses campos?
Campo
Temas/questões
Possibilidades de trabalho
Campo da vida pessoal
Reflexões dos e das estudantes sobre suas preferências em relação às práticas da cultura corporal; reflexões sobre os valores, preconceitos e estereótipos que, sem refletir, os e as estudantes podem reproduzir quando praticam cultura corporal.
Tomada de consciência e reflexão sobre suas atitudes e posicionamentos ideológicos acerca das práticas da cultura corporal: até que ponto, por receber toda uma tradição cultural somos racistas, sexistas, machistas, preconceituosos, violentos, antiéticos quando praticamos atividades da cultura corporal e estamos imersos pelo contágio de emoções coletivas?
Até que ponto a comunidade e os e as jovens têm acesso às práticas da cultura corporal? Quais as opções de lazer ativo na comunidade?
Como aprendo e insiro práticas da cultura corporal em meu cotidiano?
Como vejo meu corpo e minhas competências corporais?
Como cuido do meu corpo no cotidiano?
Quais são meus projetos de envolvimento com práticas da cultura corporal hoje e no futuro? Como vou incorporar um estilo de vida ativo em minha rotina de estudos e trabalho?
Que profissões atuam no campo das práticas da cultura corporal? Como o mundo do trabalho trata o corpo?
Como minhas escolhas profissionais vão afetar minha corporeidade e como posso reivindicar condições de trabalho que respeitem meu bem-estar corporal e minha saúde?
Práticas da cultura corporal que valorizem a consciência corporal e postural como pilates, yoga, antiginástica...
Vista, vivência e intervenção em espaços de lazer e cultura corporal na comunidade.
Análise de espaços urbanos, domésticos e de lazer em relação a sua adequação ao conforto corporal.
Vivências corporais de observação e tomada de consciência da própria imagem corporal.
Acesso a conhecimentos sobre o corpo que permitam que os jovens valorizem as práticas corporais para o bem-estar e a qualidade de vida, que possam ajustar os espaços domésticos, de trabalho e de lazer às suas necessidades de bem estar corporal.
Vivências de diferentes danças, esportes, lutas, ginásticas e práticas corporais de aventura que possam ser incorporadas no projeto de vida dos estudantes.
Campo das práticas de estudo e pesquisa
Como pesquiso sobre a cultura corporal?
Que ciências trazem respostas para questões ligadas às práticas corporais?
Como encontro, utilizo e comunico dados de pesquisa sobre as práticas corporais e seus efeitos em mim e na sociedade em que vivo?
Quais são as fontes confiáveis para me informar sobre os avanços científicos a respeito das práticas corporais?
Acesso a conhecimentos da biomecânica, fisiologia de exercício e nutrição que embasam a relação entre práticas corporais e saúde.
Acesso a conhecimentos das ciências humanas que contribuam para a compreensão dos sentidos da cultura corporal nas sociedades e culturas: história, sociologia e antropologia das práticas corporais.
Campo jornalístico midiático
Como a mídia divulga práticas corporais?
Há diferenças de cobertura entre esportes masculinos e femininos na mídia?
Que questões polêmicas ligadas às práticas corporais a mídia trata?
As mídias e a veiculação de padrões de beleza e consumo de produtos associados às práticas corporais afetam o modo como vejo e sinto meu corpo?
Que ideologias sobre o esporte e as demais práticas da cultura corporal na publicidade divulgada nas diferentes mídias?
Análise dos valores e conhecimentos sobre a cultura corporal veiculados pela mídia.
Leitura crítica de notícias, crônicas, vídeos, documentários sobre as práticas da cultura corporal.
Campo de atuação na vida púbica
As práticas corporais estão presentes nas políticas públicas voltadas para a minha comunidade?
Como posso atuar politicamente para reivindicar políticas de acesso a práticas da cultura corporal?
Análise e reivindicação de políticas públicas de acesso a práticas corporais.
Campo artístico
Quais são as qualidades estéticas que observo nas práticas corporais?
Que modos de expressão artística são mobilizados pela linguagem corporal?
Como a dança, a música, a performance, as artes visuais e o teatro estão presentes em minhas experiências com linguagem corporal.
Vivência de danças, teatro e atividades de expressão corporal em interface com as linguagens artísticas.
SEU PROGRESSO NO CURSO