Aula 2
Atividades orientadas e o trabalho com corpo, gestos e movimentos
Atividades 1, 2 ou 3 vezes por semana, com duração de 30 a 45 minutos, desenvolvidas pelo professor(a) de Educação Física ou pelo(a) professor(a) pedagogo(a), dependendo da rede de ensino são uma das estratégias de organização do currículo de Educação Infantil para o trabalho com corpo, gestos e movimentos.
A primeira etapa do planejamento dessas atividades é selecionar o objetivo de aprendizagem da BNCC que será trabalhado. Em seguida, contextualizar e detalhar o foco do trabalho e escolher as estratégias adequadas. Vejamos um exemplo.
exemplificando
Bebês (zero a 1 ano e 6 meses)
(EI01CG05)
Utilizar os movimentos de preensão, encaixe e lançamento, ampliando suas possibilidades de manuseio de diferentes materiais e objetos.
Com um grupo de crianças com idades entre 1 ano a 1 ano e 6 meses, o professor(a) pode estabelecer como foco a exploração de movimentos com bolinhas macias de pano, bolas coloridas de plástico ou de papel e agregar caixas de papelão com orifícios nos quais as crianças podem encaixar e desencaixar as bolinhas, tecidos pendurados como redes onde as crianças podem balançar e observar os movimentos das bolas, garrafas pet de 2 litros unidas como um túnel onde as bolas podem ser roladas, planos inclinados com colchões para as crianças lançarem as bolas. O importante nessa idade é que a atividade orientada permita a exploração sensório-motora mais livre, com o professor observando, sugerindo formas de brincar, mas sem forçar as crianças a realizarem os mesmos movimentos.
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Crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses)
(EI02CG05)
Desenvolver progressivamente as habilidades manuais, adquirindo controle para desenhar, pintar, rasgar, folhear, entre outros.
Mantendo o foco no desenvolvimento de habilidades manuais com bola, com um grupo de crianças com idades entre 3 anos e 3 anos e 11 meses, o professor (a) pode programar uma atividade de descoberta guiada. Nessa idade, as crianças já podem acompanhar melhor as orientações verbais do professor por isso essa estratégia funciona. Nessa forma de brincar, o professor inicia o trabalho sugerindo movimentos: quem consegue lançar a bola bem alto, lá no céu? Quem consegue rolar a bola, bem longe? Quem consegue passar a bola de uma mão para a outra sem deixar cair? Quem consegue equilibrar a bola na mão, no cotovelo, no nariz? Em seguida pede que as próprias crianças criem seus truques e compartilhem com os colegas. Vale também pensar essa atividade agregando alvos como suspender uma corda em diferentes alturas e desafiar as crianças e lançar por cima, por baixo, como uma mão com a outra. Aqui, a liberdade e o protagonismo das crianças se mantém, mas já é possível pensar em atividades mais coletivas.
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Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses)
(EI03CG05)
Coordenar suas habilidades manuais no atendimento adequado a seus interesses e necessidades em situações diversas.
Nessa faixa etária, o trabalho com o desenvolvimento de habilidades manuais com bola já pode envolver brincadeiras com regras simples. Arremessar a bola em alvos como nas brincadeiras de boliche e derruba latas, lançar a bola em aros pendurados em diferentes alturas. O importante é que as atividades sejam dinâmicas e não exijam tempo de espera das crianças. Não basta, por exemplo, trazer apenas um jogo de boliche para 20 crianças, pois cada criança poderá ter apenas uma ou duas chances. Embora possa parecer mais caótico, vale a pena investir na autonomia das crianças sem se preocupar com a distância padrão ou regras rígidas. O objetivo é diversificar a exploração. São materiais fáceis de confeccionar. O professor pode realizar uma roda inicial, combinar a dinâmica, os cuidados com o material, os movimentos que serão explorados e durante a atividade circular pelos cantos do espaço onde as brincadeiras estão acontecendo. Se necessário, fazer paradas pera recombinar a dinâmica e ao final conversar com as crianças sobre as aprendizagens.
O que é importante garantir no planejamento das atividades orientadas?
No exemplo acima mostramos que o trabalho com habilidades manuais, previsto na BNCC, pode se desenvolver progressivamente com um determinado foco e trouxemos algumas estratégias possíveis para cada faixa etária.
As possibilidades são imensas. É possível focar as habilidades manuais com outros objetos da cultura lúdica, explorando movimentos variados como rolar, arremessar, balançar, chutar, rebater, equilibrar, quicar. A mesma lógica vale para a exploração de outras formas gestuais e de movimento presentes nos objetivos de aprendizagem da BNCC.
Trabalhando com os demais objetivos de aprendizagem descritos na BNCC, teremos outras tantas possibilidades de planejamento das atividades orientadas. Então, vamos trabalhar alguns princípios e conhecimentos que podem favorecer o protagonismo docente nesse planejamento.
Para ampliar ainda mais as experiências de aprendizagem das crianças no campo do corpo, gestos e movimentos, durante as atividades orientadas, Você pode lançar mão de conhecimentos sistematizados por pesquisadores da área de Educação Física Escolar. Como David Gallahue e João Batista Freire, entre outros.
Vamos conhecer um pouco sobre eles...
David Gallahue foi professor da Escola de Saúde, Educação Física e Recreação da Universidade de Indiana nos Estados Unidos suas pesquisas e livros sobre o papel da escola em prover experiências de movimento significativas e de alta qualidade para crianças e jovens lhe concedeu reconhecimento internacional nesse campo.
Foi professor da escola básica e durantes seus mais de 40 anos de trabalho na área de Educação Física formou e influenciou grande número de profissionais e pesquisadores.
Duas obras do autor foram traduzidas para a língua portuguesa:
GALLAHUE, David. L.; OZMUN, John C. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês, crianças, adolescentes e adultos. David L. Gallahue, John C. Ozmun; [Tradução Maria Aparecida da Silva Pereira Araújo] São Paulo: Phorte editora, 2001.
GALLAHUE, David. L.; DONNELLY, Francês, C. Educação Física Desenvolvimentista para todas as crianças/David Gallahue, Francês Cleland Donnelly; [tradução Samantha Prado Stamatiu, Adriana Elisa Inácio]. 4 ed. – São Paulo: Phorte, 2008.
Para Gallahue, boas práticas de movimento na Educação Infantil devem contemplar experiências em três categorias de movimentos: movimentos estabilizadores, locomotores e manipulativos.
ESTABILIZADORES
manter o equilíbrio em relação à força de gravidade
Inclinar, Alongar, Girar
Virar, Balançar
Apoios invertidos (parada de mãos e cabeça, estrela)
Rolamento, esquivar-se
Equilíbrio estático e dinâmico
LOCOMOTORES
alterar a localização do corpo em relação a pontos fixos
Andar, Correr
Saltar (em distância, em profundidade, em altura)
Saltar com os 2 pés
Saltar com 1 pé, Saltitar
Deslizar, Escalar
MANIPULATIVOS
fornecer ou absorver força de objetos com as mãos ou pés
Arremessar, Interceptar
Chutar, Capturar
Golpear, Volear
Quicar, Rolar um objeto
Rebater
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Objetivos de aprendizagem da BNCC relacionados a cada categoria
(EI01CG01)
Movimentar as partes do corpo para exprimir corporalmente emoções, necessidades e desejos.
(EI03CG02)
Demonstrar controle e adequação do uso de seu corpo em brincadeiras e jogos, escuta e reconto de histórias, atividades artísticas, entre outras possibilidades.
(EI02CG02)
Deslocar seu corpo no espaço, orientando-se por noções como em frente, atrás, no alto, embaixo, dentro, fora etc., ao se envolver em brincadeiras e atividades de diferentes naturezas
(EI02CG03)
Explorar formas de deslocamento no espaço (pular, saltar, dançar), combinando movimentos e seguindo orientações.
(EI01CG05)
Utilizar os movimentos de preensão, encaixe e lançamento, ampliando suas possibilidades de manuseio de diferentes materiais e objetos.
(EI03CG05)
Coordenar suas habilidades manuais no atendimento adequado a seus interesses e necessidades em situações diversas.
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Gallahue também explora a aprendizagem de conceitos de movimento que as crianças a perceber como o corpo se move, diversificando suas experiências. Os conceitos de movimento são divididos em três categorias: esforço (como o corpo se move variando força, tempo e fluência); espaço (onde o corpo se move) e relacionamentos (como o corpo se move com objetos e pessoas).
ESFORÇO
ESPAÇO
RELACIONAMENTOS
Como o corpo se move com variadas quantidades de...
Onde o corpo se move em diferentes...
Movendo-se com...
Força
Níveis
Objetos (ou pessoas)
Forte
Leve
Moderado
Alto
Médio
Baixo
Em cima/ embaixo
Dentro/fora
Entre dois/entre vários
Em frente/atrás
Acima/abaixo
Através/ao redor
Tempo
Direções
Pessoas
Rápido
Lento
Médio
Estável
Acelerando
Desacelerando
Para frente/para trás
Diagonalmente/lateralmente
Para cima/para baixo
Vários caminhos (curva, reta, ziguezague...)
Espelhando
Copiando como sombra
Em uníssono
Junto/separado
Alternando
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Fluência
Alcances
Livre
Limitado
Formas de corpo (largo, estreito, curvo, reto).
Espaços de corpo (espaço próprio e espaço geral).
Extensões do corpo
Utilizando esse referencial, Você pode planejar atividades e mediações diversificadas como: atividades que favoreçam as crianças andar e correr explorando direções, ritmos, relacionamentos e intensidades variadas.
Correr para frente, para trás, para o lado, rápido, lento, acelerando, carregando objetos, de mãos dadas, no mesmo ritmo do grupo.
Tudo isso contextualizado na cultura corporal lúdica, a exemplo das brincadeiras de pega-pega, atividades com música, cantigas dança criativa.
Não se trata de “treinar” habilidades motoras em atividades dirigidas pelo professor, nas quais as crianças apenas obedecem a comandos.
Trata-se de afinar o olhar para as múltiplas possibilidades de explorar como o corpo se move nas brincadeiras e atividades exploratórias das crianças.
João Batista Freire – Foi professor do curso de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas. É considerado como autor pioneiro no estudo das relações entre a Educação Física Escolar e as perspectivas construtivistas de desenvolvimento e aprendizagem de Piaget, Vygotsky e Wallon.
Ele discute o trabalho na Educação Infantil e dois livros publicados no Brasil.
FREIRE, João Batista. Educação de Corpo Inteiro, Teoria e Prática da Educação Física. São Paulo: Scipione, 1989.
FREIRE, João Batista e SCAGLIA, Alcides José. Educação como prática corporal. São Paulo: Scipione, 2000.
João Batista Freire, em seu clássico livro Educação de Corpo Inteiro defende que o desenvolvimento da motricidade não deve significar somente uma maior proficiência em determinadas habilidades motoras, mas a aquisição de maiores recursos para se relacionar com o mundo dos objetos e das pessoas.
Na perspectiva da educação de “corpo inteiro” a importância da atividade motora não se restringe ao aspecto da aprendizagem do movimento, mas à motricidade enquanto primeira forma de conhecimento sobre o qual se edificam todos os aspectos da pessoa, como defendido na BNCC.
Não há porque desenvolver habilidades ( correr, saltar, girar etc.) que não sejam significativas, isto é, que não seja uma promoção de relações aperfeiçoadas do sujeito com o mundo, de modo a produzir as ações que o tornem cada vez mais humano, isto é, mais presente, mais consciente, testemunha do mundo em que vive” Freire, João Batista da Silva - Educação de Corpo Inteiro, Teoria e Prática da Educação Física. São Paulo: Scipione, 1989, p. 139.
Nessa concepção não existem formas gestuais ideais, únicas, “certas” que a criança deve aprender. Uma característica singular do movimento humano é a necessidade de construir, ao mesmo tempo, consistência e variabilidade.
A consistência garante encontrar coordenações motoras mais eficientes, construídas para que o sujeito apresente soluções eficientes frente aos desafios motores. Para aprender a andar, por exemplo, é preciso que a criança ganhe consistência em sua capacidade de controlar as relações de equilíbrio postural e as contrações musculares adequadas para realizar o movimento.
A consistência garante encontrar um caminho seguro e confiável para realizar o movimento. No entanto, estamos constantemente sendo desafiados pelas variações do ambiente. Os pisos que enfrentamos para caminhar são diferentes, podemos andar na subida e na descida, podemos andar sobre um caminho estreito, somos desafiados a caminhar em espaços lotados, com pessoas locomovendo-se em diferentes direções e velocidades, e é a variabilidade de nosso sistema motor que garante esta adaptabilidade e o desenvolvimento de esquemas de ação flexíveis. Por isso, nas atividades orientadas os professores devem promover experiências a partir da observação sobre como as crianças solucionam problemas corporais.
Na educação de “corpo inteiro”, a atividade lúdica é o contexto cultural no qual a criança se apropria e recria seus gestos e movimentos. O(a) professor(a) deve partir dos conhecimentos prévios das crianças e desenvolver atividades significativas para o auto conhecimento, a expressão, a convivência, o brincar, a participação ativa e a exploração do mundo, garantindo que as experiências de corpo, gestos e movimentos vivenciadas na escola estejam a serviço da garantia dos 6 direitos de aprendizagem definidos na BNCC .
É um processo no qual o professor interage com as crianças e, partindo do que elas já sabem, procura gerar desafios que levam à construção possibilidades com o corpo, os gestos e os movimentos.
Essa interação, entretanto, não precisa obedecer somente o modelo de “aula”, mesmo pensando em aulas lúdicas e significativas, que utilizam o brincar como instrumento pedagógico, mas também por meio do planejamento de espaços , oferta de tempo e material para a brincadeira auto organizada nos grupos infantis, nas situações de cuidado e projetos integrados.
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