Dimensões do conhecimento e progressão dos conteúdos na Educação Física
OBJETIVOS DO MÓDULO
Módulo 4
O que são as dimensões do conhecimento e como se aplicam nas aulas?
Neste módulo vamos entender o significado das dimensões do conhecimento.
Organizar planos de aulas que estabeleçam interações com todas essas dimensões do conhecimento.
E também organizar o currículo e planos de aula, propondo uma progressão entre os anos organizados em biênios e triênios.
Aula 1
As dimensões do conhecimento da Educação Física
O ensino por competências propõe o desenvolvimento de três dimensões do conhecimento: o saber sobre, o saber fazer e o saber ser e conviver. Apesar de pertencerem a modelos pedagógicos diferentes, poderíamos considerar o saber sobre como a dimensão conceitual, o saber fazer a dimensão procedimental e o saber ser e conviver como a dimensão atitudinal.
O importante para a discussão neste módulo é a observação de que o ensino por competências nos ajuda na reflexão sobre uma questão há muito discutida em educação, a relação entre o que a escola ensina e o que os alunos precisam aprender.
Os conteúdos das disciplinas costumam ser especificamente conceituais e, muitas vezes, não se ligam às questões relacionadas às necessidades dos alunos. Esse é um problema que percorre toda a educação básica e que permanece no ensino superior, pois há uma visível desconexão entre os conteúdos e a prática profissional.
A questão se torna mais passível de discussão quando ouvimos cada vez mais falar em propostas de ensino baseadas em uma educação integral, que possibilite aos alunos interagir e intervir em diferentes âmbitos da vida, mas, ao mesmo tempo, o ingresso no ensino superior é um processo que privilegia a aquisição de conteúdos ou o saber por saber.
No ensino por competências há uma mudança de perspectiva tanto em relação aos conhecimentos quanto à sua utilização. Em primeiro lugar, procura-se ajudar a repensar sobre o que seria importante se aprender na escola. Como antigamente as fontes de informação sobre o mundo eram restritas, a escola era a única oportunidade que os alunos tinham para terem acesso ao conhecimento que os auxiliasse a conviver na sociedade da qual faziam parte.
Era de se esperar, portanto, que os alunos findassem o seu período escolar com a maior quantidade de conhecimento possível. Cada componente curricular se propunha a ensinar a maior quantidade possível de conteúdos para que os alunos, ao final do período escolar, estivessem munidos de todos os conhecimentos necessários para viver em sociedade.
Como hoje em dia o acesso ao conhecimento não é mais restrito como antes e novos conhecimentos surgem muito rapidamente, numa velocidade que é difícil ser acompanhada pela escola, criou-se um desafio para a instituição.
Houve ou está havendo uma necessidade de revisão tanto do que a escola deve ensinar como de qual maneira os professores devem ensinar. É nesse cenário que o trabalho por competências se insere.
A BNCC propõe as aprendizagens essenciais, ou seja, o que seria o mínimo necessário para os alunos aprenderem ao final da educação básica, numa proposta de redução dos conteúdos.
Uma vez reduzidos os conteúdos, dispõem-se de mais tempo para ensinar e é possível aprofundar as aprendizagens. Além disso, o foco de atuação do professor passar a ser utilizar os conteúdos para que os alunos desenvolvam competências.
Conforme dissemos em módulos anteriores, o trabalho por competências valoriza o saber fazer, que é um conhecimento muito presente nas aulas de Educação Física. Entretanto, é necessário que outras dimensões de conhecimento também sejam valorizadas em nosso componente curricular.
A Base Nacional explicita quais são as dimensões do conhecimento a serem trabalhadas na Educação Física e qual o significado de cada uma delas. Iremos discutir um pouco sobre essas dimensões do conhecimento.
A Base Nacional propõe uma distribuição de unidades temáticas em biênio e triênio, ou seja, os mesmos objetos de conhecimento são propostos para grupos de dois ou três anos. Essa é uma organização que, a nosso ver, facilita o discurso da equipe gestora de que é possível unir as turmas, visto que são as mesmas aprendizagens essenciais em anos diferentes.
Cabe a nós, na organização do currículo, propor habilidades que levem em conta essa progressão.
Para iniciar nossa conversa, gostaríamos de retomar alguns pontos importantes que devem estar sempre presentes em nosso discurso:
1 O saber fazer é um conhecimento.
2 O saber fazer é um conhecimento muito importante para a Educação Física.
3 O trabalho por competências valoriza o saber fazer.
4 No trabalho por competências, o saber fazer pressupõe aquisição de conhecimentos conceituais, ou seja, o saber sobre.
5 Quanto mais conhecimentos conceituais o aluno tem, maior sua capacidade de desenvolver competências.
6 Aquisição de conhecimentos conceituais por si só não leva ao desenvolvimento de competências.
7 Nas aulas de Educação Física, movimentar-se é componente fundamental.
Outro ponto importante refere-se à prática pedagógica dos professores de Educação Física. Ao contrário do que muitos pensam, a Base Nacional não propõe uma mudança radical nem quanto à forma de ensinar nem quanto aos conteúdos a serem desenvolvidos.
Muitos professores já desenvolvem suas aulas numa lógica semelhante à proposta pela Base Nacional. Para aqueles que ainda não trabalham desse modo, acreditamos que a base propõe somente uma mudança de foco ou de abordagem no desenvolvimento das aulas.
Reforçamos aqui a importância de se analisar a Base de uma maneira um pouco mais ampla e mais profunda. Conforme dissemos, uma leitura superficial da base pode levar a uma interpretação errônea de que os alunos na aula de Educação Física irão aprender a jogar, brincar, dançar, lutar ou a praticar uma modalidade esportiva.
Consideramos importante a experimentação dessas práticas corporais, mas não com fim em si mesmas. É importante que saibamos deixar isso claro para os outros professores, para equipe gestora, alunos e pais.
De acordo com a BNCC, o contato com as práticas corporais propicia aos alunos se apropriarem das lógicas intrínsecas a essas manifestações, como regras, códigos, rituais ou sistemáticas de funcionamento; assim como os significados que lhes são atribuídos. Portanto, as aprendizagens devem privilegiar as oito dimensões do conhecimento.
A imagem abaixo apresenta um quadro geral sobre essas oito dimensões do conhecimento da Educação Física. Essas dimensões podem ser agrupadas em três conjuntos que as relacionam ao saber sobre, ao saber fazer e ao saber ser e conviver.
As dimensões do saber fazer
Na dimensão experimentação, a descrição propõe que, além da vivência, deve-se cuidar para que as sensações não causem rejeição à prática. Sabemos que, por mais que se tome cuidado quanto à escolha das atividades, é natural que haja momentos ou atividades que não agradam a todos os alunos.
Pode ser numa situação de derrota num jogo, a frustração por não conseguir realizar determinado movimento, ou sensações corporais devido às exigências de determinada prática.
Acreditamos que essas situações são muito importantes para que se proponham momentos nos quais os alunos possam compartilhar com os colegas e o professor suas sensações, boas ou ruins. Esses diálogos muitas vezes servem de incentivo para que os alunos lidem com suas frustrações e sejam estimulados a se superar mediante as dificuldades.
Vale ressaltar que, para isso, a mediação do professor é bastante importante.
Na dimensão uso e apropriação é dado destaque à autonomia, na medida em que propõe que as aprendizagens devem levar os alunos a utilizar os conhecimentos para além das aulas.
Na dimensão fruição é interessante notar a importância dada às sensações relacionadas às vivências corporais, tanto relacionada às experimentações como à apreciação estética, como assistir a um espetáculo de dança ou a uma modalidade esportiva.
Experimentação: Refere-se à dimensão do conhecimento que se origina pela vivência das práticas corporais, pelo envolvimento corporal na realização das mesmas. São conhecimentos que não podem ser acessados sem passar pela vivência corporal, sem que sejam efetivamente experimentados. Trata-se de uma possibilidade única de apreender as manifestações culturais tematizadas pela Educação Física e do estudante se perceber como sujeito “de carne e osso”. Faz parte dessa dimensão, além do imprescindível acesso à experiência , cuidar para que as sensações geradas no momento da realização de uma determinada vivência sejam positivas ou, pelo menos, não sejam desagradáveis a ponto de gerar rejeição à prática em Sí.
Uso e apropiação: Refere-se ao conhecimento que possibilita ao estudante ter condições de realizar de forma autônoma uma determinada prática corporal. Trata-se do mesmo tipo de conhecimento gerado pela experimentação (saber fazer), mas dele se diferencia por possibilitar ao estudante a competência necessária para potencializar o seu envolvimento com práticas corporais no lazer ou para saúde. Diz respeito aquele rol de conhecimento que viabilizam a prática efetiva das manifestações da cultura corporal de movimento não só durante as aulas, como também para além delas.
Fruição: Implica a apreciação estética das experiências sensíveis geradas pelas vivências corporais, bem como das diferentes práticas corporais oriundas das mais diversas épocas, lugares e grupos. Essa dimensão está vinculada com apropriação de um conjunto de conhecimentos que permita ao estudante desfrutar da realização de uma determinada prática corporal e/ou apreciar essa e outras tantas quando realizados por outros.
As dimensões do saber ser e conviver
A dimensão de construção de valores evidencia os conhecimentos que surgem das discussões e experimentações que ocorrem nas aulas de Educação Física. Importante notar que essa dimensão pressupõe a intervenção do professor, que precisa evidenciá-la durante as aulas e incluí-la numa situação de aprendizagem. Esta dimensão é especialmente importante, pois sugere que se aprofunde a discussão sobre o combate a preconceitos e às diferenças.
A dimensão do protagonismo comunitário procura incentivar os alunos no desenvolvimento da autonomia e consciência crítica em relação ao seu ambiente social. É importante que os alunos se apropriem dos seus direitos e deveres relativos à sua movimentação corporal. Por exemplo, o direto à utilização dos espaços públicos e privados, cujo acesso pode ser cobrado das instituições responsáveis pela organização de espaços que possam ser utilizados pela comunidade; a necessidade da conscientização das pessoas sobre a preservação desses espaços; e as possibilidades de aumentar o acesso das pessoas a eles.
Protagonismo comunitário: Refere-se às atitudes/ações e conhecimentos necessários para os estudantes participarem de forma confiante e autoral em decisões e ações orientadas a democratizar o acesso das pessoas às práticas corporais. Tomando como referência valores favoráveis à convivência social. Comtempla a reflexão sobre as possibilidades que eles e a comunidade têm (ou não) de acessar uma determinada prática no lugar em que moram, os recursos disponíveis (públicos e privados) para tal, os agentes envolvidos nessa configuração, entre outros, bem como as iniciativas que se dirigem para ambientes além da sala de aula, orientadas a interferir no contexto em busca da materialização dos direitos sociais vinculadas a esse universo.
Construção de valores: Vincula-se aos conhecimentos originados em discussões e vivências no contexto da tematização das práticas corporais, que possibilitam a aprendizagem de valores e normas voltadas ao exercício de cidadania em prol de uma sociedade democrática. A produção e partilha de atitudes, normas e valores (positivos e negativos) são inerentes a qualquer processo de socialização. No entanto, essa dimensão está diretamente associada ao ato intencional de ensino e de aprendizagem e, portanto, demanda interversão pedagógica orientadas para tal fim. Por esse motivo, a BNCC se concentra mais especificadamente na construção de valores relativos ao respeito às diferenças e no combate aos preconceitos de qualquer natureza. Ainda assim, não se pretende propor o tratamento apenas desses valores, ou fazê-los só em determinadas etapas do componente, mas assegurar a superação de estereótipos e preconceitos expressos nas práticas corporais.
Dimensões do saber sobre
A dimensão reflexão sobre a ação possibilita que os alunos expressem suas sensações advindas das práticas sugeridas durante as aulas.
Além das reflexões sugeridas pela Base, que se referem a interações com a própria atividade, as reflexões permitem que os alunos desenvolvam percepções sobre si próprios e sobre os colegas, o que lhes permite perceber que uma mesma atividade produz sensações diversas, que podem ser tanto positivas como negativas.
Essa percepção de si e dos outros faz com que interajam de modo diverso com situações de movimentações e estimula os alunos a se apropriarem de conhecimentos sobre o que estão realizando, como, por exemplo, saber por que se cansam ou porque, para uma determinada atividade, alguns cansam mais do que os outros, ou saber por que alguns se destacam em atividades que requerem mais força ou potência muscular enquanto outros se destacam em atividades de agilidade e velocidade.
A dimensão análise complementa ou associa-se à reflexão sobre a ação. As reflexões sobre o que fizeram levam à necessidades de aquisição de conceitos para que se desenvolvam as competências relacionadas às aprendizagens. É importante estimular os alunos a se apropriarem desses conceitos, indo além das discussões sobre o que realizaram e buscando respostas que os façam ampliar as aprendizagens.
A dimensão compreensão está associada, na BNCC, a esclarecer o processo de surgimento, desenvolvimento e utilização das práticas corporais. Julgamos importante relembrar que numa escala hierárquica dos processos de aprendizagem, a compreensão antecede a análise, ou seja, para que se possa analisar um fenômeno, é preciso inicialmente compreender como esse fenômeno se manifesta.
Compreesão: Está também associada ao conhecimento conceitual, mas, diferentemente da dimensão anterior, refere-se ao esclarecimento do processo de inserção das práticas corporais no contexto sociocultural, reunindo saberes que possibilitam compreender o lugar das práticas corporais no mundo. Em linhas gerais, essa dimensão está relacionada a temas que permitem aos estudantes interpretar as manifestções da cultura corporal de movimento em relação às dimensões èticas e estéticas, à época e à sociedade que as gerou e as modificou, às razões da sua produção e trasformação e à vinculação local, nacional e global. Por exemplo, pelo estudo das condiçoes que permitirem o surgimento de uma determinada prática corporal em uma dada região e época ou os motivos pelos quais os esportes praticados dos homens têm uma visibilidade e um tratamento midiático diferente dos esportes praticados por mulheres.
Análise: Está associada aos conceitos necessários para entender as caractéristicas e o funcionamento das práticas corporais (saber sobre). Essa dimensão reúne conhecimentos como a classificação dos esportes, os sistemas táticos de uma mobilidade, o efeito de determinado exercício físico no desenvolvimento de uma capacidade física, entre outros.
Reflexão sobre a ação: refere-se aos conhecimentos originados na observação e na análise das próprias vivências corporais e daquelas realizadas por outros. Vai além da reflexão espontânea, gerada em toda experiência corporal. Trata-se de um ato intencional, orientado a formular e empregar estratégias de observação e análise para: (a) resolver desafios peculiares à prática realizada; (b) apreender novas modalidades; e (c) adequar as práticas aos interesses e às possibilidades próprios e aos das pessoas com quem compartilha a sua realização.
As dimensões do conhecimento foram descritas separadamente para que ficasse mais clara a sua compreensão. É importante que, na elaboração dos planos de aula, haja a intencionalidade de se desenvolver situações de aprendizagem que envolvam o saber sobre, o saber fazer e o saber ser e conviver.
O fazer nas aulas de Educação Física é muito importante e constitui um conhecimento, porém, quando os alunos fazem sem saber porque estão fazendo, para eles, não estão aprendendo algo, mas apenas “fazendo”.
Isso se manifesta no discurso que ouvimos a todo o momento: “Estudei matemática e ‘fiz’ Educação Física”. Esse discurso não advém apenas dos alunos. Professores de outros componentes, coordenadores, diretores, pais e familiares e até professores de Educação Física falam dessa forma.
Acreditamos que é um discurso que pode e deve ser mudado. Se, nas aulas de Educação Física, temos que desenvolver oito dimensões de conhecimento, não seria o momento de mudar o discurso de que não estão aprendendo algo, só fazendo? Pode parecer uma questão sem importância no dia a dia, mas ela significa muito em termos de educação.
SEU PROGRESSO NO CURSO